terça-feira, 27 de julho de 2010

Julho.

Uma noite. Uma reunião de amigos. Pessoas novas. Olhares que se cruzam. Bebidas. Risos. Algumas palavras trocadas. E novamente, olhares que se cruzam. Música. Brincadeiras. Fotos. Agora um olhar trocado sem medo. Depois disso, tudo acontece em frações de segundos. Mas o momento é único. Loucura. Mais bebidas. Riscos. Conseqüências. Murmúrios. Tensão. Julgamentos. Medo. Insegurança.

Lara Leite.

Desabafo.

Queria entender. Entender as pessoas e seus comportamentos bipolares. Entender porque somos atingidos pelas intempéries da biosfera. Entender porque me sinto tão flagelada pelo tempo... Tantas perguntas, nenhuma resposta. Isso me aflige. Entorpece-me, e me enlouquece a cada dia que passa. Ter uma mãe que não compreende e ainda te impõe às regras do sistema. “Não faça isso.” “Você não está estudando.” “Está na hora de voltar para casa”. (...) Cara, isso cansa! Quero sair, quero viver, quero ser livre... É pedir demais? Estou sufocando aqui dentro. Cada vez mais e mais e mais... E só me pergunto: Meu Deus! Até quando? Está cada vez mais difícil suportar tal fardo. Quanto mais ela pede para não fazer, mais eu faço... Mais eu bebo, mais eu corro riscos, mais saio dos eixos. Afinal, já aderi à filosofia do Calvin: “Faça o que tem que fazer e deixe os outros discutirem se é certo ou não.”.


Lara Leite.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Tempo e vida.


 Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma. Até quando o corpo pede um pouco mais de alma. A vida não pára. Enquanto o tempo acelera e pede pressa. Eu me recuso, faço hora, vou na valsa. A vida é tão rara. Enquanto todo mundo espera a cura do mal e a loucura finge que isso tudo é normal. Eu finjo ter paciência. O mundo vai girando cada vez mais veloz. A gente espera do mundo e o mundo espera de nós, um pouco mais de paciência. Será que é tempo que lhe falta para perceber? Será que temos esse tempo para perder? E quem quer saber? A vida é tão rara, Tão rara...

- Lenine -

Sobriedade.

Bebendo, Vida, invento casa, comida
E um Mais que se agiganta, um Mais
Conquistando um fulcro potente na garganta
Um látego, uma chama, um canto. Amo-me.
Embriagada. Interdita. Ama-me. Sou menos
Quando não sou líquida.

- Hilda Hilst -

I'm here.


Não é fácil, nunca foi. Acordar e de certa forma sentir o mundo diferente, o sentimento de algo que, mesmo distante, fará falta. Queria estar do teu lado e poder te confortar, dizer as palavras que você precisa ouvir, ou apenas calar e te oferecer meu ombro. Por que você não abre mão da tristeza e sorri para quem sempre quis te ver sorrindo? É doloroso, eu sei, sempre é, e eu quero estar do teu lado, te ver cuidar dessa dor, se recompor, e te ajudar nisso. Você é forte o suficiente, nós dois sabemos. Quer conversar? Me chama. Quer meu ombro? Chega mais perto. Me quer por perto? Olha para o lado.


- Jonathas Iohanathan - 

Um ponto de interrogação.

Sei lá. De duas, uma: ou eu fui muito fudida na minha outra vida, ou eu casualmente nasci na espécie errada. É sério. É como se às vezes, eu meio que parasse de ser pela metade. Entende? E que Raul Seixas não me ouça, mas essa coisa de “metamorfose ambulante” em certos dias me desgasta tanto, que eu acabo parecendo mais um estepe de mim mesma, no melhor estilo da substituta que entra em cena quando os outros pneus furam. É um egoísmo meio estranho, mas às vezes eu só queria.. sei lá, me sentir eu mesma sem ter que me dividir com as outras caras que o espelho não mostra. Você entende? Porque eu até consigo ser mil, mas no final é só a velha e amarga sensação de ser só mais uma. Uma caloura um pouco boba e infantil que quase nunca sabe ao certo como é ser humana.


- a.d -

domingo, 25 de julho de 2010



"Não importa, nada importa. Se eu ficar dentro de casa esperando ser feliz para ser feliz, eu não vou ser feliz nunca. Se eu ficar dentro de casa esperando que uma perfeita unidade nasça de dentro dessa confusão de mil personagens que é minha alma, eu não vou sair de casa nunca mais.
A vida dói mesmo, é fato, sempre doeu, não é novidade."

 - Tati Bernardi -



quarta-feira, 21 de julho de 2010

Start.

Dessa vez não vou evitar dizer o que está na minha cabeça só porque eu sei que minha mente geminiana vai negar no dia seguinte, não fugirei de palavras bonitas porque quem diz não é uma pessoa perfeita, não arrumarei mil defeitos pra brigar contra as novecentas e noventa e nove qualidades, não desviarei meus olhos por medo de ter minha mente lida, não sumirei por medo de desaparecer, não vou ferir por medo de machucar, não serei chata por medo de você me achar legal, não vou desistir antes de começar, não vou evitar minha excentricidade, não vou me anular por sentir demais e logo depois não sentir nada, não vou me esconder em personagens, não vou contar minha vida inteira em busca de ter realmente uma vida.
Dessa vez não vou querer tudo de uma vez, porque sempre acabo ficando sem nada no final.
Estou apostando minhas fichas em você e saiba que eu não sou de fazer isso. Mas estou neste momento frágil que não quer acabar. Fiquei menos cafajeste, menos racional, menos eu. E estou aproveitando pra tentar levar algo adiante. Relacionamentos que não saem da primeira página já me esgotaram, decorei o prólogo e estou pronta pro primeiro capítulo.


Verônica H.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Dá-me beijos, dá-me tantos
Que, enleado nos teus encantos,
Preso nos abraços teus,
Eu não sinta a própria vida,
Nem minha alma, ave perdida
No azul-amor dos teus céus."

Fernando Pessoa.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Um dois do par.

(...) Ei, vamos brincar?
Desatinar o tido par é fácil
É só recontar e um dois do par virá dois um
Eu vou retocar e um dois virará dois um

Do par, a parte que me toca
não te toca caber não
Pra que de arrebanhar o vasto
se eu já desvendo encanto à imensidão?

Vem, vamos brincar
Desinventar o dito par é fácil
É só remontar e um dois do par virá dois um
Eu vou retomar e um dois virará dois um

Você é tão...não sei te definir
É como luz brincando cor
Se o par é um dois ou se ele é dois um
Melhor brincar de sermos duns (...) 

[Nuda.]

Só você.

Duas horas da manhã, vento frio entrando sorrateiramente pela janela me pegando de surpresa com o corpo semi nu fora da cama, estou pensando em você. O tic tac do relógio martela os segundos incontáveis nos quais meus olhos se negam a fechar, o luar projeta desenhos no teto enquanto brinca com a cortina púrpura, até agora já vi animais, flores e objetos, mas só penso em você.


Faço cara feia para a parede quando lembro da nossa conversa dias atrás, quando você disse que eu não sentia sua falta, quando disse que eu vivia com pessoas ao meu redor me mimando e tentando lutar pela minha atenção... mas que bobo! Será que você nunca se perguntou porque estas pessoas vivem fazendo isso? É porque elas nunca conseguem minha atenção inteiramente, pois meus pensamentos rondam os seus, eu vivo procurando você nas ruas... não me vê?

Sinto sua falta todos os dias, como um peixe fora d'água que precisa respirar e não consegue. E esse teu medo bobo que eu me jogue em outros mares, que respire outros ares e me banhe em águas estrangeiras me deixa tão chateada! Eu quero tanto ser tua, tanto me entregar pra você, apenas pra você... todos os dias e noites, todas as horas e minutos, contar os segundos pros teus olhos se abrirem todas as manhãs e encontrarem os meus, ta difícil perceber isso?

Os olhos se fecham, o sono me pega, me entrego aos braços de Morfeu, Senhor dos Sonhos, eis que você surge. Tão bom sonhar contigo, ver o teu sorriso à poucos milímetros do meu rosto, poder encostar a minha boca na tua e, em silêncio, na suavidade do beijo, te mostrar esse sentimento acumulado que só quer sair do corpo e virar realidade constante.


[Lorrayne T.]


(modificado.)

Carpe diem.

Não procure ser coerente o tempo todo. Afinal, são Paulo disse que “a sabedoria do mundo é loucura diante de Deus”.
Ser coerente é usar sempre a gravata combinando com a meia. É ser obrigado a ter, amanhã, as mesmas opiniões que tinha hoje. E o movimento do mundo – onde fica?
Desde que você não prejudique ninguém, mude de opinião de vez em quando, e caia em contradição sem se envergonhar disso.
Você tem este direito. Não importa o que os outros pensem – porque eles vão pensar de qualquer maneira.

Por isso, relaxe. Deixe o Universo se movimentar à sua volta, descubra a alegria de ser uma surpresa para você mesmo. “Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios”, diz são Paulo.


[Paulo Coelho]

Súbito Encontro.



Sentada no chão, encontrarias a moça vestida de azul. Pela terceira vez, tu serias invadido pela imagem. Desta vez, a moça. Tu: vindo de um caminho conhecido, em passadas às vezes lentas, leves, outras pesadas de espantos, quedas, quebras, tu: vindo por um caminho determinado, um caminho definido em pedaços de pedras, sobre as quais tu pisavas. Era o teu caminho: um caminho de pedras desfeitas desde a praia até a moça. A moça.

E a moça? De que lugar teria vindo? Que caminhos teria pisado? Que insuspeita das descobertas teria feito? Tu olharias a moça mas, as perguntas não acorrendo, o mistério que a envolveria seria desfeito -uma moça vestida de azul, sentada no chão de uma praça sem lago. Não poderias saber nada de mais absoluto sobre ela, a não ser ela própria. Fazendo perguntas, tu ouvirias respostas. Nas respostas ela poderia mentir, dissimular, e a realidade que estava sendo, a realidade que agora era, seria quebrada. pois, não fazendo perguntas, tu aceitarias a moça completamente. Desconhecida, ela seria mais completa que todo um inventário sobre o seu passado. Descobririas que as coisas e as pessoas só o são em totalidade quando não existem perguntas, ou quando essas perguntas não são feitas. Que a maneirar mais absoluta de aceitar alguém ou alguma coisa se ria justamente não falar, não perguntar -mas ver! Em silêncio.

Tu verias a moça.

A moça ver-te-ia?

Sentarias no chão, ao lado dela, tentarias descobrir nos olhos ou na boca ou em qualquer outro traço um sinal não de reconhecimento, mas de visão E pensarias que o que faz nascer as perguntas não é uma necessidade de conhecimento, mas de ser conhecido. Porque tu não saberias se a moça sentia a tua presença. Falando, ouvirias a tua própria voz, solta na praça, e terias a certeza de que a moça te ouvia. Ainda que não te visse, na visão completa que terias acabado de descobrir.


[Caio Fernando Abreu]

sábado, 17 de julho de 2010

Diálogo II.


- Devíamos ter mais opções de escolha.
- Como assim?
- Escolher de quem gostar, por exemplo...
- Isso não dá.
- E se desse, o que você faria?
- Ainda assim escolheria você.

Cáh Morandi.

(.)

Contar o tempo. Fazer dele seu aliado ou conhecer teu pior adversário. Fechar os olhos, esquecer de tudo que existe. Manter o foco. Lentamente se permitir não ouvir nenhum som, não sentir nenhum perfume. Agora você está pronto para ver aquilo que só existe verdadeiramente longe de todos os sentidos. Você dorme bem a noite? Com o que você sonha? Ah, eu sonho todo o dia o mesmo sonho. Todo e singular dia. O mesmo sonho. E quando eu o alcançar, eu não sei quem vai estar lá na linha de chegada. Ou sei? Pelo o que você vive? O que importa pra você?… Porque pra mim já tanto faz, já não sei mais. O que é mais importante vem em primeiro lugar? Mesmo? Isso eu também não sei. É relativo. Mas pra mim, o importante passa à frente. O importante é ser feliz. Eu vou. Eu quero. Eu sei como ser.

Jonathas Iohanathan.

O que restou.

Você foi covarde. Com sua ternura pálida, seu medo de tudo, sua polidez em cumprir as promessas. Você não aprendeu a mentir. Tampouco aprendeu a dizer a verdade. O dia está escuro e não soprarei a luz ao seu lado. O dia está lento e não haverá movimento nas ruas. Você não revidou nenhuma das agressões, não revidará mais essa. Você foi covarde. A mais bela covardia de minha vida. A mais comovida. A mais sincera. A mais dolorida. O que me atormenta é que sou capaz de amar sua covardia. Foi o que restou de você em mim.

Fabrício Carpinejar.



Única certeza.



Eu tenho MEDO de acreditar em você, de te desejar tanto tanto e acabar descobrindo que eu ainda tenho um coração e que ele ainda pode amar muito alguém. Não, eu digo a mim mesma, eu não vou me apaixonar e nem desejar saber tudo ao seu respeito, querer conhecer sua mãe e ser apresentada aos seus amigos. Você não sabe, mas quando eu chego em casa eu repasso cada palavra que você disse, cada gesto que você fez, cada beijo seu e me pergunto se vale mesmo a pena.Você é uma pessoa gentil, simpática e diz todas as coisas que deveria, pena que você não sabe que esse é seu maior problema. Minha vontade agora é sumir. Chamar você. Me esconder. Ir até a sua casa e te beijar e dizer que te amo e que você é importante demais na minha vida para eu te abandonar. Sacudir você e dizer que você é um otário porque está me perdendo dessa maneira. Minha vontade é esquecer você. Apagar você da minha vida. Lembrar de você a cada manhã. Pensar em você para dormir melhor. Imaginar nossa vida juntos, naquela casa bonita com cachorros e com a sua filha correndo pela sala. Então eu percebo: IT'S ME, e minhas vontades são bipolares demais. Só o que não é bipolar demais é a minha ganancia por te ter. Sim, eu escolheria você. Se me dessem um último pedido, eu escolheria você. Se a vida acabasse hoje ou daqui mil anos, eu escolheria você.

Tati Bernardi

Diálogo.

— E você, por que desvia o olhar?

(Porque eu tenho medo de altura. Tenho medo de cair para dentro de você. Há nos seus olhos castanhos certos desenhos que me lembram montanhas, cordilheiras vistas do alto, em miniatura. Então, eu desvio os meus olhos para amarrá-los em qualquer pedra no chão e me salvar do amor. Mas, hoje, não encontraram pedra. Encontraram flor. E eu me agarrei às pétalas o mais que pude, sem sequer perceber que estava plantada num desses abismos, dentro dos seus olhos.)

— Ah. Porque eu sou tímida.


[Rita Apoena]

quinta-feira, 15 de julho de 2010

(!)

Neste exato segundo em que o planeta terra passeia pelo sistema solar, há uma infinidade de vidas que se iniciam e outra infinidade que chega ao fim. É natural. Talvez chegue um dia em que morrer será a exceção e o mundo atingirá sua lotação. Para isso existe a ciência, a medicina: evitar que a vida chegue ao fim. Viver alcança seu valor máximo. Tanta gente aprendendo a sorrir com conquistas, mas a maioria ensaiando o futuro. Não é o que eu quero. Quero mesmo é o presente. Cansei de me preparar para um dia que pode não chegar. Existe vida no agora? Se houver, eu vou encontrar.

Eu tenho essa urgência de viver, essa pressa de qualquer coisa que ultrapasse a inércia. É isso que me faz jogar dados ao acaso e me atirar de carros em movimento, é por isso que ando longe de viadutos. Meu suicídio diário não é uma forma de morrer. É uma tentativa desesperada de encontrar essa vida, testar minha capacidade de quase ir e voltar, descobrir se eu mereço estar aqui e se existe mesmo um deus. Afinal, ele concorda ou não com a minha maneira de encarar as coisas? Por que não me castiga por ser tão estupidamente desapegada? É minha necessidade de viver que me mata.

Tenho a impressão de ter atingido o auge da minha maturidade, mas não tenho espaço físico ou moral pra existir nessa condição. Estou pronta pra largar tudo pra trás todos os dias, mas algo finca meus pés no chão sem aviso prévio. É preciso ser coerente pra ser aceito, mas como não me contradizer tentando achar um equilíbrio? Como não ser um pouco louca nesse mundo tão absurdo?

Não adianta me oferecer o discurso de faculdade-emprego-família como verdade absoluta. A gente não aprende a viver sentado numa carteira de colégio. Não é a fórmula de Pitágoras ou a definição de pronome oblíquo que vai fazer com que eu seja mais ou menos inteligente. Saber organizar informações burocráticas em série e ser programado roboticamente não faz de ninguém um ser humano repleto. Isso tudo só rende uma possível colocação relevante numa prova de vestibular, um êxtase momentâneo. A vida se aprende nas perdas. É perdendo a liberdade que a gente descobre que não se encaixa, é perdendo alguém que a gente descobre que não vale a pena lutar por futilidades, é perdendo o apoio que a gente descobre que o resto do mundo não para só porque nosso mundo parou. A gente vai aprendendo a viver assim, na marra, no grito, no sufoco, no impulso. Eu quis mudar o mundo, quis ser brilhante, quis ser reconhecida. Hoje eu quero bem pouco e prefiro me concentrar no agora do que planejar um futuro incerto. Eu me libertei da culpa e dei de cara com algo novo: não me encaixo, e aceito. Não é justo perder as asas no momento em que se descobre tê-las. É preciso poder voar, é preciso ter uma visão estratégica das janelas. Ver o sol e não poder tê-lo é absurdo.

Então eu deixo algumas coisas passarem incompletas porque tenho consciência de que certas palavras ainda não têm tradução. Por mais que eu grite, vai ter quem não entenda, não aceite. O que eu não aceito é ter nascido num mundo tão grande e conhecer só uma pequena parte. Vou voar. Quem conseguir compreender, que me acompanhe.


Verônica H.

Nova perspectiva.



Amarrei uma venda nos olhos. Lancei os remos no mar. Rasguei o mapa do caminho onde eu ia me encontrar. Feito cabra-cega confio no rumo que a vida tomar. Sem os olhos perdi a razão que pregava os meus pés no chão e prendia a minha emoção. Só deixando o desejo guiar, levo fé que eu assim vou chegar bem mais perto do meu lugar. Hoje vivo sondando o mistério que me arrastou numa nova partida. Peço pra nau dos bons ventos me levar. Hoje sou solta no colo da brisa. Presa às surpresas da sorte e do tempo. Rezo pra não me perder no caminhar.


Anna Luisa.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Completamente insano, mas extremamente sábio.

Há alguns dias, Deus — ou isso que chamamos assim, tão descuidadamente, de Deus —, enviou-me certo presente ambíguo: uma possibilidade de amor. Ou disso que chamamos, também com descuido e alguma pressa, de amor. E você sabe a que me refiro.

Antes que pudesse me assustar e, depois do susto, hesitar entre ir ou não ir, querer ou não querer — eu já estava lá dentro. E estar dentro daquilo era bom. Não me entenda mal — não aconteceu qualquer intimidade dessas que você certamente imagina. Na verdade, não aconteceu quase nada. Dois ou três almoços, uns silêncios. Fragmentos disso que chamamos, com aquele mesmo descuido, de "minha vida". Outros fragmentos, daquela "outra vida". De repente cruzadas ali, por puro mistério, sobre as toalhas brancas e os copos de vinho ou água, entre casquinhas de pão e cinzeiros cheios que os garçons rapidamente esvaziavam para que nos sentíssemos limpos. E nos sentíamos.

Por trás do que acontecia, eu redescobria magias sem susto algum. E de repente me sentia protegido, você sabe como: a vida toda, esses pedacinhos desconexos, se armavam de outro jeito, fazendo sentido. Nada de mal me aconteceria, tinha certeza, enquanto estivesse dentro do campo magnético daquela outra pessoa. Os olhos da outra pessoa me olhavam e me reconheciam como outra pessoa, e suavemente faziam perguntas, investigavam terrenos: ah você não come açúcar, ah você não bebe uísque, ah você é do signo de Libra. Traçando esboços, os dois. Tateando traços difusos, vagas promessas.


[Caio Fernando Abreu]